16 de agosto de 2013

ACADÉMICA: Os estudantes ainda fazem da tradição a sua realidade?

Na Académica de Coimbra já não há só universitários na equipa e capas negras nas bancadas. Mas ainda há estudantes no plantel - João Dias, Fábio Santos e Aníbal Capela - e uma "alma diferente dos outros clubes".

Não há caso igual no futebol português, de um clube em que o "cognome" se ligue tanto à identidade do próprio emblema. Há os "dragões" e "águias", "leões" ou "castores". E, depois, há os "estudantes" e a Académica - duas partes indissociáveis da mesma história. 125 anos depois da fundação, a ligação da Briosa à academia já é mais tradição do que realidade. Mas alguns universitários ainda continuam por lá, nas bancadas e até no relvado. "Os tempos são outros", mas o losango preto e branco continua a ser o emblema do coração "dos estudantes e da cidade de Coimbra", diz Ricardo Morgado, líder da associação estudantil. E "a alma diferente da dos outros clubes" ainda move e faz mover todos os que vestem a camisola preta, assegura o histórico ex-jogador Mário Campos.

"De Coimbra, fica um tempo que não passa / Neste passar de um tempo que não volta", diz um poema de Manuel Alegre. A Académica vive nesse limbo temporal. O futebol e o mundo mudaram: já não é possível ter uma equipa semiprofissional na 1.ª divisão do futebol nacional, composta quase exclusivamente por estudantes universitários. Mas também não é possível abandonar a tradição e identidade da Briosa, fundada no seio da associação de estudantes (só autonomizada a partir de 1974) e sempre defensora das causas da academia - para a história ficou o apoio à luta estudantil (pela liberdade das universidades e do país) na crise académica de 1969, levada até à final da Taça de Portugal.

Antes, os estudantes enchiam o plantel (129 formaram-se enquanto jogavam pela Briosa; o último foi Nuno Piloto, mestre em bioquímica desde 2009). "Atletas, dirigentes e adeptos, todos universitários, eram amigos, saíam uns com os outros, havia uma comunhão muitíssimo grande", descreve João Santana, coautor do livro Académica - História do Futebol. "Morávamos com estudantes mais velhos, que nos ajudavam e ensinavam", recorda Mário Campos, que tirou Medicina enquanto jogava na Briosa (por lá ficou entre 1965 e 1975). E o curso estava sempre primeiro. Para a lenda, ficou a resposta de Artur Jorge a um jornalista, quando a Briosa lutava taco a taco com o Benfica pelo título nacional de 1966/67: "Qual título? Eu tenho um exame de alemão amanhã...".

Agora restam três estudantes no plantel: Fábio Santos (engenharia civil), João Dias (desporto) e Aníbal Capela (engenharia eletrotécnica). Isso não deixa de magoar os puristas. "Nos anos 60 e 70, os jogadores eram pagos, mas jogavam por amor à causa. Muitos não se transferiam porque queriam acabar o curso, Agora, da tradição, resta pouco", lamenta João Santana. Ainda assim, a Briosa esforça-se por reabilitar a ligação. A pensar no futuro, esta época, vai inscrever nos distritais uma segunda equipa, de sub-23, composta maioritariamente por estudantes. Ricardo Morgado diz que esse pode ser um "passo de aproximação"... mesmo que isso implique um eventual duelo entre a Académica sub-23 e a equipa de futebol da associação estudantil, também inscrita no distrital. "Há que fazer muito mais para reforçar a aproximação entre duas instituições que têm os mesmos valores, a mesma história e o mesmo símbolo", afirma.

O exemplo é a campanha "Jamor 2012", momento "mais bonito e marcante dos últimos anos", diz Morgado. Na final da taça, os estudantes uniram-se no apoio à Académica e um jogo de futebol voltou a ser palco de manifestações cívicas e políticas (contra o estado do ensino superior em Portugal). Essa "alma diferente, que conquistou adeptos por todo o País", como lembra Mário Campos, nunca se perdeu. Viu-se quando os jogadores da Briosa entraram em campo, nos anos 90, com faixas e t-shirts em defesa das causas da cidade (contra a coincineração) ou do país (pela independência de Timor). E vê-se nas coisas pequenas do dia a dia, como o "canelão" (a praxe, algo desvirtuada, de dar pontapés ou "calduços" à entrada em campo de um jogador que se estreie no 11). Afinal, no passar do tempo que não volta, há coisas que ficam para sempre.

in DN

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