14 de junho de 2011

Infelizmente é assim que a nossa Académica é vista por muitos e daí o grande afastamento de sócios e adeptos nos últimos anos...

Texto do Advogado e Bastonário da Ordem: Marinho Pinto



«O presidente do Organismo Autónomo de Futebol (OAF) da Associação Académica de Coimbra (AAC), José Eduardo Simões, foi reeleito na passada terça-feira para um novo mandato, derrotando o seu opositor, Maló de Abreu. O facto, em si, nada teria de extraordinário e passaria praticamente despercebido, não fosse a circunstância de o reeleito ter sido condenado, em Março passado, no Tribunal de Coimbra, pelos crimes de corrupção e de abuso de poder.

A própria AAC/OAF foi também condenada a pagar ao Estado o "montante equitativo" de 200 mil euros, correspondente à perda das vantagens ilicitamente obtidas com a alegada actividade criminosa do seu presidente.

Os crimes em causa teriam sido praticados entre 2003 e 2006, período em que o arguido acumulou os cargos de vice-presidente e de presidente da Académica com as funções de director municipal de Administração do Território da Câmara Municipal de Coimbra, no âmbito das quais detinha competências em licenciamentos de loteamentos, de obras de urbanização e de obras particulares, entre outras.

Num acórdão com mais de 290 páginas, o Tribunal de Coimbra deu como provado que José Eduardo Simões, enquanto director municipal, violou, continuadamente, os seus deveres funcionais para beneficiar ilicitamente empresários (sobretudo da construção civil) que contribuíam financeiramente para o clube, nomeadamente permitindo áreas de construção superiores às licenciadas, obras sem licença, bem como pressionando os seus subordinados para que não cumprissem os seus deveres de fiscalização. O tribunal salientou ainda que Eduardo Simões chegou a ser apanhado com a quantia de 103 600 euros em notas de 500, 100 e 50 euros que transportava "acondicionadas" no interior do seu automóvel. Trata-se de uma sentença dura, que sintetiza as acusações (do MP) e as pronúncias (dos juízes de instrução) relativas a três processos que foram apensados num só. Essa decisão ainda não transitou em julgado e até pode vir a ser revogada e substituída por outra mais favorável ao arguido ou até absolutória. No entanto, independentemente da decisão final, estamos em presença de factos que eram do conhecimento público em Coimbra e que até já tinham sido noticiados na Comunicação Social, pelo que todos nos devemos interrogar como foi possível isso acontecer durante tanto tempo, sem que, aparentemente, ninguém com responsabilidade tivesse actuado tempestivamente. A que se deve a intervenção tão tardia das autoridades judiciais e, principalmente, do próprio presidente da Câmara, Carlos Encarnação? O que é que levou a Câmara de Coimbra a contratar para director de um departamento tão sensível o presidente de um clube de futebol em permanentes aflições financeiras? Por que é que o presidente do PS, António Almeida Santos, branqueou, publicamente, a conduta de Eduardo Simões tentando desvalorizá-la por o beneficiário da corrupção ser a Académica? Será que a corrupção é boa ou má consoante os seus beneficiários?

A Académica, a velha Académica, foi um clube ímpar no futebol português e até mundial. Os seus jogadores eram estudantes que jogavam à bola por prazer e por isso deram lições de desportivismo e de dignidade desportiva que ainda hoje perduram na memória dos amantes do futebol. Durante décadas, a Académica de Coimbra foi um motivo de orgulho para a cidade e para Portugal.

Porém, os tempos mudaram, o clube profissionalizou-se (praticamente não há um estudante na sua equipa principal) e, qual epígono atabalhoado, chegou ao ponto de utilizar os métodos do submundo das ilegalidades desportivas que outros já tinham abandonado. Em resultado de tudo isso, o OAF é, hoje, uma caricatura burlesca da velha Académica.

Ver a centenária AAC envolta nos nevoeiros da corrupção ofende o imenso património moral da velha, honrada e altiva Academia de Coimbra. É triste, muito triste, ver como a antiga mística da Académica se transformou numa grotesca mistificação. Se há epíteto que o OAF devia deixar de usar, até por pudor, é o de "briosa".»

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